Berço das águas do Brasil, o Cerrado está desaparecendo

 Sebastião Soares       
          
Identificado como a savana brasileira, o Cerrado se caracteriza pelas suas árvores pequenas e retorcidas, muitas com cascas grossas queimadas pelo fogo, em grandes extensões de terras forradas por capim, com uma das maiores biodiversidades do Planeta. Sua paisagem é semelhante à existente na Austrália ocidental e na região central da África, com distinções, pois, no Brasil, o bioma tem maior biodiversidade, com integra as 30 principais áreas do mundo com riqueza de espécies.   

Fotos/Imagem: Divulgação          
Ele é o segundo maior bioma da América do Sul, ocupando um espaço de 2.036.448 km2, em cerca de 22% do território nacional. A sua área contínua incide sobre os estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Bahia, Maranhão, Piauí, Rondônia, Paraná, São Paulo e Distrito Federal, além dos encraves no Amapá, Roraima e Amazonas. Nesta região encontram-se os riso que formam as principais bacias hidrográficas sul-americanas, Tocantins, Araguaia, Paraná, Parnaíba, Paraguai, São Francisco e até a bacia Amazônia recebe água de rios que nascem no Cerrado, sendo, portando, o berço das águas no coração do Pais.

Considerado como um hotspots mundial de biodiversidade, o Cerrado apresenta extrema abundância de espécies endêmicas e do ponto de vista da diversidade biológica é reconhecido como a savana mais rica do mundo, abrigando cerca de 11.627 espécies de plantas nativas já catalogadas. Existe ainda grande diversidade de habitats, que determinam uma notável alternância de espécies entre diferentes fitofisionomias. Porém, sofre grave perda de habitat.

Há, por outro lado, em torno de á,H  199 espécies de mamíferos conhecidas e outras 837 espécies catalogadas na rica avifauna, considerando a quantidade de peixes (1200 espécies), répteis (180 espécies) e anfíbios (150 espécies) são  elevados. O número de peixes endêmicos – espécies que só existem nas águas do Cerrado – ainda é totalmente conhecido, porém é bastante alto para anfíbios e répteis: 28% e 17%, respectivamente. De acordo com estimativas recentes, o Cerrado é o refúgio de 13% das borboletas, 35% das abelhas e 23% dos cupins dos trópicos.

São mais de 220 espécies com uso medicinal comprovado e 416 podem ser usadas na recuperação de solos degradados, como barreiras contra o vento, proteção contra a erosão, ou para criar habitat de predadores naturais de pragas. Existem, também, cerca de 10 tipos de frutos comestíveis regularmente consumidos pela população local e vendidos nos centros urbanos, como os frutos do Pequi (Caryocar brasiliense), Buriti (Mauritia flexuosa), Mangaba (Hancornia speciosa), Cagaita (Eugenia dysenterica), Bacupari (Salacia crassifolia), Cajuzinho do cerrado (Anacardium humile), Araticum (Annona crassifolia) e as sementes do Barú (Dipteryx alata).

           Além dos aspectos ambientais, o Cerrado tem grande importância social. Há um contingente populacional muito grande que  sobrevive de seus recursos naturais, incluindo etnias indígenas, comunidades quilombolas, geraizeiros, ribeirinhos, babaçueiras, vazanteiros, entre outros. Eles fazem parte do patrimônio histórico e cultural brasileiro e detêm conhecimento tradicional de sua biodiversidade, com aplicações práticas na culinária, na medicina e em produção de artesanal.                   

Contudo, inúmeras espécies de plantas e animais correm risco de extinção. Estima-se que 20% das espécies nativas e endêmicas já não ocorram em áreas protegidas e que pelo menos 137 espécies de animais que ocorrem no Cerrado estão ameaçadas de extinção.

Nas três últimas décadas, o Cerrado vem sendo degradado pela expansão da fronteira agrícola brasileira. Além disso, é palco de uma exploração extremamente predatória de seu material lenhoso para produção de carvão. Depois da Mata Atlântica, ele é o bioma brasileiro que mais sofreu alterações com a ocupação humana, especialmente com a crescente pressão para a abertura de novas áreas, visando incrementar a produção de carne e grãos para exportação, com progressivo esgotamento dos recursos naturais da região.

Apesar do reconhecimento de sua importância biológica, de todos os hotspots mundiais, o Cerrado é o que possui a menor porcentagem de áreas sobre proteção integral. O bioma apresenta 8,21% de seu território legalmente protegido por unidades de conservação; desse total, 2,85% são unidades de conservação de proteção integral e 5,36% de unidades de conservação de uso sustentável, incluindo RPPNs (0,07%).

O Cerrado deve ser considerado patrimônio nacional

Em decorrência desta realidade, há uma luta intensa para a sua transformação em patrimônio nacional, junto com o bioma Caatinga. Os dois biomas englobam 14 estados, abrigam 30% da população do país e amparam uma rica biodiversidade de espécies Inclusive há uma Proposta de Emenda Constitucional neste sentido, a PEC 504/2010, em tramitação no Congresso Nacional que enfrenta muitas resistências e não consegue prosperar. As tentativas de proteção do Cerrado esbarram nos interesses predatórios do agronegócio e das mineradoras e com o total desinteresse do governo federal, pois, para estes, a região é apenas um espaço privilegiado de produção de commodities para exportação e fonte de altos lucros por parte das empresas que o destroem, de forma irrecuperável. 
Essa luta não é de agora, vem desde 1995, quando foi apresentada na Câmara dos Deputados a uma Proposta de Emenda Constitucional 115/95,  para elevar o Cerrado a patrimônio nacional, apresentada pelo então deputado Gervásio Oliveira (PSB/AP). Quinze anos depois, a Caatinga também foi incluída no texto e a proposta passou a ser a atual PEC 504/2010.

O Senado já aprovou, em agosto de 2012, a última versão da proposta e a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados também já se posicionaram de forma favorável à sua admissibilidade. No entanto, ainda falta a Câmara dos Deputados priorizar a votação e aprová-la.

A Caatinga e o Cerrado não são considerados Patrimônio Nacional pela Constituição Brasileira. O que significa que 1/3 do nosso território e da biodiversidade associada estão esquecidos e sob ameaça de extinção. O texto já aprovado no Senado coloca os dois biomas no mesmo nível de importância dos demais do país. A Caatinga é o único bioma exclusivamente brasileiro e foi reconhecido como uma das 37 grandes regiões naturais do planeta, ao lado da Amazônia e do Pantanal; é o terceiro bioma mais degradado, depois da Mata Atlântica e do Cerrado: 45% de sua área foram desmatados; possui alto grau de endemismos (cerca de 1/3 de suas plantas e 15% de seus animais são espécies exclusivas).


O Cerrado é o segundo maior bioma brasileiro. É considerado um dos hotspots da biodiversidade (área prioritária para a conservação do planeta) e um dos biomas mais ameaçados do globo; possui as maiores reservas subterrâneas de água doce do mundo: aquíferos Guarani, Bambuí e Urucuia, que abastecem as principais bacias hidrográficas do país. É a caixa d’água do Brasil. Portanto, a sua elevação à condição de patrimônio nacional é uma condição essencial para que possa ser protegido mediante uso sustentável, preservando o pouco que ainda resta do bioma. 






Sebastião Soares
Jornalista Ambiental, Filósofo e Professor Presidente da Agência Social




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